Uma carta ao Papa antes de sua partida. Um olhar para um homem-pastor que fez brilhar a humanidade, que fascinou e comoveu.
Theresinha Acco – Membro da APAL (Academia Palmense de Letras), do Centro de Letras de Francisco Beltrão e aluna da escola de teologia para leigos da Diocese de Palmas-Francisco Beltrão
Querido Papa Francisco,
A cada novo dia, Vossa Santidade me surpreende de maneira que palavras mal conseguem expressar. Vossas Encíclicas ressoam em meu coração, Vossas narrativas iluminam meu caminho, e a humanidade que brilha em Vossa Santidade me fascina e me comove.
Frequentemente, Vossa Santidade nos lembra do valor da memória, essa moldura preciosa que dá forma à vida de cada ser humano, a ponto de ser, a Vossa “moldura mais preciosa”.
Em Seus livros, Sua Santidade relata, e nos ensina que somos seres “narrantes”, que “desde pequenos temos uma fome insaciável por histórias, assim como temos fome de alimento. Seja através de fábulas, romances, contos, músicas, poesias, filmes ou notícias, as histórias moldam nossas vidas, mesmo quando estamos cientes da sua influência”. (Papa Francisco).
Querido Papa, quero compartilhar com Vossa Santidade duas paixões que guiam minha existência: A primeira é Cristo na Cruz, a fonte de amor e esperança que ilumina meu ser. A segunda é a arte de escrever narrativas, de tecer palavras que poderão tocar o coração e a alma de pessoas sensíveis. Estou feliz por ter encontrado alguém, que também gosta de narrativas.
Inspirada por reflexões de Sua Santidade na introdução do livro “Vida: a minha história através da História”, desejo escrever breve narrativa dedicada a Sua Santidade. Uma carta que manifeste meu profundo afeto e gratidão. Querido Papa, Vossa Santidade, um farol de luz e compaixão que nos guia em tempos de incertezas, será o protagonista dessa história,
É primavera na Itália, nessa época do ano, o Vaticano, ganha uma nova vida. O céu está límpido, de um azul intenso, quase sem nuvens, o sol já passou do meio do céu, mas a luz é diferente: mais leve, mais suave, quase acariciando tudo o que toca. As colunatas de Bernini lentamente, começam a desenhar sombras.
O som dos sinos acabara de ecoar às doze badaladas, dessa vez mais cheio, mais grave. É como um chamado silencioso para alguma coisa prestes a acontecer. As fontes da Praça brilham sob o sol romano das 13 horas, no momento, não muito intenso.
Ao redor do Vaticano o cenário é surpreendente- há um espetáculo de cores e aromas que transforma as ruas em um verdadeiro quadro vivo. À Via della Conciliazione se enche de vida, com o sol, que ainda não arde, iluminando as fachadas das casas, que se estendem em um abraço afetuoso e alongado.
As varandas, adornadas com flores coloridas, exalam perfumes que dançam no ar, criando uma sinfonia de fragrâncias que encanta a todos que por ali passam.
Nos Jardins Vaticanos, o verde das plantas parece ainda mais intenso. Ao fundo, um silêncio reverente reina. A brisa que atravessa as árvores e flores parece sussurrar orações invisíveis. Às vezes, um pássaro canta. Tudo ali parece respirar paz e quietude!
Ao olharmos com atenção para as janelas do Palácio Apostólico, veremos que algumas estão abertas. Uma cortina leve balança na brisa. De vez em quando, alguém imagina: Será que o Santo Padre está ali, olhando também para essa paisagem primaveril?
Querido Papa,
Diante desse belo cenário, na última quinta-feira, 10 de abril de 2025, o dia começou como qualquer outro, mas, logo no início da tarde, Vossa Santidade decidiu renunciar ao descanso habitual, e fazer uma visita surpresa à Basílica de São Pedro, um verdadeiro símbolo de fé, esperança e renovação.
Na companhia do seu dedicado assistente de saúde, Sua Santidade foi conduzida com carinho e serenidade pelos corredores iluminados, mostrando que o amor que o sustenta pode mover-se por braços emprestados, mas a direção continua Sua.
Enquanto a cadeira de rodas o levava suavemente adiante, parecia que Sua Santidade estava carregando o mundo ao colo, embalando-o com toda a delicadeza e o cuidado de um pai amoroso.
Cada movimento era uma prece silenciosa, um convite à contemplação da jornada que o trouxe até aqui, marcada pela entrega, pela esperança, e pela força que só a fé sustenta.
Vossa face serena e tranquila parecia nos dizer que, mesmo com os passos emprestados de outros pés, Sua Santidade se revela um Papa que não disfarça o cansaço, mas o transforma em sinal de humanidade.
Com uma manta singela sobre os ombros, Sua Santidade parecia sussurrar ao mundo:
“Não se envergonhem da fraqueza. É nela que Deus faz morada.”
Essa visita tocou profundamente o coração dos fiéis que se encontravam nesse lugar sagrado. Muitos afirmavam que Francisco, não esconde a dor nem a fraqueza, todavia a enfrenta com coragem e transparência.
Desnudo de qualquer véu, ele, humaníssimo, traz à memória de Jesus Cristo e Simão Cirineu na Via Crucis, agora, a cena se repete! Isso lembra que, muitas vezes, é na humildade e no apoio mútuo que encontramos a verdadeira força para seguir em frente.
Um homem que não disfarça a fragilidade. E, talvez por isso, tão forte, tão humano. A imagem não choca. A imagem toca. Porque não estamos acostumados com isso, pois crescemos sob a ideia de líderes imbatíveis, figuras que representam a fé e o poder com a mesma rigidez de uma catedral de pedras. A fraqueza, quando aparece, vem disfarçada, suavizada, quase escondida.
Francisco não esconde os aparelhos que o ajudam a respirar, não disfarça o corpo que já não acompanha a força da alma. E é justamente por isso que ele nos ensina tanto, tanta humanidade. Sua fragilidade está ali exposta. É como se, ao vê-lo assim- tão gente, tão carne, tão humano- nós também nos autorizássemos a sermos quem somos.
Não precisamos ser heróis todos os dias. Nem santos em pose de perfeição. As máscaras de força eterna nos sufocam. Os disfarces de santidade nos pesam. E a ilusão do perfeccionismo nos adoece.
Não há discursos. Não há palavras de impacto. Há apenas o testemunho. A solene presença em despedida. O silêncio eloquente de quem vive o que acredita. A leveza de quem já entendeu que ser humano é, também, aceitar as próprias limitações, e viver com elas em paz.
Depois dessa catequese de humanidade, Sua Santidade o Papa Francisco nos deixa claro que no espaço entre a dor e o consolo, entre o cansaço e a esperança, mora a verdadeira força que alimenta a nossa fé.
Theresinha Acco
Membro da APAL e do Centro de Letras de FB
Palmas, 16 de abril, outono, Brasil, primavera, Itália, 2025.
Querido Papa Francisco, hoje Vossa Santidade nos deixa. O coração chora porque Vossa ausência será permanente, mas Vossa presença em nossas orações, em nossa memória ficará marcada para sempre. Muito obrigado por tudo! Descansa em Paz!
Texto publicado no site do Vaticano: vaticannews.va, no dia 24 de abril de 2025
Fonte: https://www.vaticannews.va/